A nada fácil reconstituição histórica evolutiva dos vertebrados

sexta-feira, janeiro 12, 2007

Eu chamo a atenção do leitor para o interessante artigo “The 1909 Darwin Celebration – Reexamining Evolution in the Light of Mendel, Mutation, and Meiosis” de Marsha L. Richmond sobre a celebração do 50º aniversário do livro Origem das Espécies realizada em Cambridge em junho de 1909. [1] A revista ISIS é uma das mais importantes revistas especializadas em História da Ciência.

No seu abstract Richmond aponta que o evento ocorreu não somente para homenagear o ‘herói da evolução’ [sic!], mas também para reavaliar os conceitos apoiadores do darwinismo, pois, NOTA BENE, o mecanismo de seleção natural estava sendo atacado e a teoria da evolução se encontrava em ‘confusão’ [sic!]. Convenhamos, status epistêmico bem diferente do que é dado hoje à teoria da evolução equiparada à lei da gravidade. O que a Lógica Darwinista 101 não faz para estabelecer o fato, Fato, FATO da evolução (Michael Ruse).

Bem, deixemos de lado o ufanismo epistêmico até aqui não apoiado pelas evidências, e consideremos o que foi também dito naquela ocasião pela Linnean Society sobre o mesmo evento, especialmente sobre o surgimento dos vertebrados (peixes, répteis, anfíbios, e mamíferos):

“Quando nós voltarmos para casa e nossos amigos nos inquirirem entusiasticamente, ‘O que foi decidido quanto à Origem dos Vertebrados?’, até aqui parece que nós não temos uma resposta pronta, a não ser de que os debatedores concordaram num único ponto, isto é, que os seus oponentes estavam todos errados”.

Esta citação de um participante daquele evento foi destacada por Henry Gee, editor sênior da renomada revista científica Nature, tentando realçar a sua conclusão pra lá de otimista no seu artigo “Developmental biology: This worm is not for turning,” [2], quando afirmou ufanisticamente, “nós progredimos bastante desde 1909”. Qual teria sido a razão deste ufanismo de Gee? Ele se baseou na reclassificação de um hemicordado vermiforme como o ancestral de todos os vertebrados conforme descrito na pesquisa de Lowe et al. publicada na revista Nature de 4 de janeiro de 2007.

Estranho é que fica difícil depreender a base desse otimismo ufanista no artigo de Gee. Razões? Ele destacou muitas questões neste problema antigo da biologia evolutiva – e que nós ainda estamos no começo das esperanças de uma solução satisfatória 98 anos depois do que foi destacado pela Linnean Society. Ué, não nos ensinaram e ensinam até hoje que Darwin já tinha esclarecido uma vez por todas essa questão da origem e evolução da vida?

Alguns pontos intrigantes destacados por Gee:

1. As investigações da origem do eixo dorso-ventral em um invertebrado marinho obscuro iluminam um dos mais antigos debates em biologia evolutiva – a origem dos vertebrados.

2. Os vertebrados são tão diferentes das outras criaturas que descobrindo a sua origem dentro do reino animal tem sido sempre problemático. Mas, pesquisa de desenvolvimento e de genômica dos que são algumas vezes considerados obscuros invertebrados parentes dos vertebrados está sugerindo a reavaliação deste tópico difícil.

3. A busca do entendimento da organização do eixo dorso-ventral tem sido um dos temas mais duradouros no estudo das origens dos vertebrados.

4. Esta noção [feita por Geoffrey Saint-Hilaire no século 19] se junta a uma lista de teorias aparentemente excêntricas sobre as origens dos vertebrados que tem aumentado desde então.

5. A pesquisa de Lowe e colegas sobre os hemicordados adiciona uma perspectiva bem-vinda...
Mais seriamente, esta nova perspectiva vai provocar uma reavaliação das muitas peculiaridades do desenvolvimento da boca que são vistas nas lampreias (vertebrados primitivos sem mandíbulas) e o anfioxo (um cordado não vertebrado primitivo). Contudo, os sistemas nervosos centrais de insetos e cordados – e, na verdade aqueles de todos os animais que os possuem – representam um grupo de soluções em que a localidade é governada pelo eixo de BMP-Chordin, se não forem especificados por eles.

6. O status do anfioxo também tem sido uma questão de debate.

7. Claro, o seqüenciamento do genoma não é o mesmo que entender a evolução das novidades morfológicas. Mas, segundo Gee, nós progredimos bastante desde 1909.

O que podemos depreender cientificamente do artigo de Gee? Ele simplesmente destacou um longo debate que se recusa sair de cena, e que, pro bonum scientia, depende ainda de muitas, mais muitas pesquisas genômicas.

Quase 150 anos se passaram e o quebra-cabeça dos vertebrados ainda não foi resolvido. E ainda têm a cara de pau de dizer que a teoria da evolução tem a mesma suficiência epistêmica que a lei da gravidade. Pensar que isso aparece em nossos melhores livros-texto como se já tivesse sido estabelecido cientificamente. Isso sim, Ennio Candotti [SBPC], é que você deveria ter denunciado junto ao PROCON – a não substanciação de uma hipótese elevada a status de fato, Fato, FATO científico da evolução conforme aparece em nossos melhores livros didáticos de Biologia do ensino médio.

Sugestão impertinente: que tal um pouco de evidência para substanciar a hipótese transformista? Ou destacar isso para os nossos alunos do ensino médio? E das universidades?
Fui, nos ombros de um gigante.

NOTAS:

1. RICHMOND, M. L., “The 1909 Darwin Celebration – Reexamining Evolution in the Light of Mendel, Mutation, and Meiosis”, ISIS, 2006, 97:447-484.

2. Henry Gee, “Developmental biology: This worm is not for turning,” Nature 445, 33-34 (4 January 2007) doi:10.1038/445033a.