Yanoconodonte, o negócio da China do “elo perdido” ou só especulando sobre a evolução do ouvido? Parte 2 de 2

sexta-feira, março 23, 2007

O site da platinada Globo G1 Ciência e Saúde abriga o blog Tubo de Ensaio freqüentemente visitados por jornalistas ― aqueles que têm a obrigação ética de serem objetivos e imparciais na veiculação de notíciais. O blog intitulado “Pela Enésima vez...” foram os meus 15 minutos de fama e justamente onde eu merecia ser destacado: no Platinado Grupo da Rede Globo.

Gente, obrigado pela audiência. Nós já passamos dos 30.000 visitantes! E com visitantes ilustres das universidades federais e particulares do Oiapoque ao Chuí. O Reinaldo José Lopes nem imagina o quanto sou grato por ele ter ampliado o universo de meu blog com o “affair Yanoconodonte”. Uau, sabe lá quanto que eu teria de pagar à Rede Globo para inserir um pequeno comercial do blog “Desafiando a Nomenklatura Científica” tentando atrair novos leitores? Valeu, Reinaldo, pelo marketing.

Bem, agradecimentos sinceros e ironia fina à la Macaco Simão [FSP], vamos ao que interessa: esses ossos de contenção.

Lopes já deve ter lido a pesquisa na Nature, e sabe na p. 292 aparece a Fig. 2 Relationship of Yanoconodon Allini [Relação do Yanoconodon Allini]. É uma árvore filogenética (cladograma). E o que a figura nos mostra? Homoplasias [evolução convergente] de DMME [definite mammalian middle ear – ouvido médio definido de mamífero] em espécies de mamíferos básicos destacados pelas setas vermelhas [Hadrocodium, Tachyglossus, Ornythorhynchus, Cimolodontans, Repenomamus, Gobiconodon, e o Yanoconodon].

O Hadrocodium foi um mamífero do Jurássico inferior sem algumas das características típicas encontradas nos mamíferos, mas já tendo um sistema de audição complexo. Pergunta mais do que impertinente, mas científica ― isso significa que até uma espécie menos ‘evoluída’ já tinha os ossículos do ouvido médio tipo mamífero já separados da mandíbula? Uau, então o trem evolutivo de Shanghai do Yanoconodonte está demasiadamente atrasado para que ele seja considerado uma forma transicional.

Eu sei que eles vão “invocar” [com todo o respeito aos kardecistas] o “espírito de Haeckel” aqui nesta questão: a “ontogenia recapitula a filogenia”. Lopes, a recapitulação não é somente “considerada anátema” por mim, mas por grande parte da comunidade científica. No contexto da descoberta, ela é tão simples como 2 mais 2 são 4, mas no contexto da corroboração, Haeckel, por mais que fraude nos desenhos, não fecha a conta da suficiência epistêmica.

E esta fraude a favor do fato, Fato, FATO da teoria geral da evolução ainda continua nos livros didáticos de Biologia do ensino médio? Alô MEC/SEMTEC/PNLEM, estão defraudando a educação de nossos alunos. Alô Ministro da Educação, V. Excia. talvez nem saiba, porque seus assessores também não saibam, mas nossos melhores autores de Biologia estão desvirtuando intencionalmente a abordagem científica da evolução.

Uma coisa precisa ficar bem nítida para todos os interessados na questão é ― os autores da pesquisa sequer afirmaram que o Yanoconodon representa uma linhagem direta evolutiva de ouvido médio colado para ouvido médio descolado. Isso seria uma possível característica pedomórfica [não é pedófila, não] capaz, dentro do smorgasbord teórico darwinista [se não for x, então z, se não for z então x, se não for nem x nem z, todo o ABC], de duas interpretações evolutivas.

Colocar o Yanoconodon nesta seqüência demandou uma ferramenta que pudesse maximizar a “parcimônia” [simplicidade que os cientistas depois de Ockham se empenham por isso na elaboração de suas receitas, oops teorias], mas é preciso ser cético com este “zelo ockhamiano”] entre as as possibilidades de árvores filogenéticas quando todas as características das espécies são consideradas. Cito aqui o texto original de Luo et al. Lembre-se que homoplasia se refere a evolução convergente ― traços semelhantes aparecendo em grupos não aparentados.

“O Yanoconodon e sua família de eutriconodontes estão colocados dentro da coroa Mammalia (Fig. 2) pela parsimônia de todos os caracteres. A ausência de DMME [definite mammalian middle ear ― ouvido médio definido de mamífero] nos eutriconodontes, um grupo membro da coroa Mammalia, está em nítido contraste com os monotremos modenos [como o Platypus] e os terianos [mamíferos mais derivados, incluido os marsupiais e os placentários] que possuem DMME. Esta filogenia exige um dos seguintes cenários [SIC ULTRA PLUS 1] evolutivos: ou (1) o DMME estava presente no ancestral comum dos monotremos, eutriconodontes e terianos; mas os eutriconodontes reevoluíram [SIC ULTRA PLUS 2] a fixação do ouvido médio à mandíbula, ou (2) o DMME estava ausente no ancestral comum dos monotremos, eutriconodontes e terianos, e isto é retido como uma pedomorfose nos eutriconodontes; mas o DMME evoluiu em nos monotremos sobreviventes, e separadamente nos terianos. A pedomorfose, ou a retenção de características fetais ou juvenis de ancestrais e parentes através de heterocronia de desenvolvimento [diferenças nas taxas de desenvolvimento], é um fenômeno comum na evolução de vertebrados. A ossificação heterocrônica (“prematura”) da cartilagem de Meckel em eutriconodontes é a causa imediata desta conexão pedomórfica do ouvido médio e a mandíbula, e é porque existe uma distribuição homoplástica global entre os terianos (com DMME), eutriconodontes (sem DMME), monotremos (com DMME) e parentes pré-mamíferos (sem DMME) (triângulos na Fig. 2). A conexão pedomórfica do ouvido médio com a mandíbula de eutriconodontes e formas mamíferas é consistente com a sua falta de epífises de ossos longos para terminar o crescimento do esqueleto, conforme observado em mamíferos modernos.” [1]

Dou um doce para quem adivinhar qual o cenário que Luo et al favoreceram, oops escolheram. Vocês são muito inteligentes. É isso mesmo, eles favoreceram o cenário 2. Quanto isso implica epistemicamente? Nós vamos ter que acreditar, oops assentir que o ouvido médio definido dos mamíferos [DMME] evoluiu duas vezes ― uma vez nos monotremos (Platypus) e, separadamente, nos mamíferos terianos. Teria sido esta a razão por que os editores da Nature foram por demais evasivos na sua louvaminhice desta pesquisa?

“A formação de três ossículos do ouvido médio de componentes da mandíbula inferior de reptilianos foi um evento importante na evolução mamífera. Nunca antes esta transição tinha sido observada tão nitidamente como num fóssil de mamífero primitivo achado recentemente em uma nova localidade da Formação Yixian na China, a 300 km a oeste dos sítios clássicos em Liaoning. Neste espécime os ossos do ouvido médio permanecem conectados com a mandíbula inferior pela cartilagem de Meckel ― uma transição associada com uma remodelagem correspondente da parte postero-inferior. Mas a situação não é tão distinta quanto parece [SIC SUPER ULTRA PLUS]. As relações evolutivas do fóssil sugerem que ou o ouvido médio “moderno” evoluiu duas vezes, independentemente ou evoluiu e então se perdeu em pelo menos uma linhagem antiga.” [2]

Não fiquem tristes vocês que não leram o artigo, mas escreveram na Grande Mídia tupiniquim exaltando o Yanoconodonte como mais uma corroboração do fato, Fato, FATO da teoria geral da evolução, porque apesar da complexidade da situação, até os autores da pesquisa não deixaram de fora a parte mais importante que deve constar em todas as pesquisas, artigos e trabalhos em evolução de triunfalismo epistêmico darwinista: o tradicional “beija-mão” e “beija-pé” de Darwin.

Como é que eles fizeram isso? Eles não somente falaram sobre a coluna vertebral do Yanoconodonte, mas acharam que num passe de mágica os genes Hox genes fornecem “um mecanismo plausível para os padrões evolutivos” em costelas lombares e várias vértebras. Lembre-se, mais uma vez a onisciente, onipresente e onipotente homoplasia (evolução convergente) vem socorrer Darwin do vexame de insuficiência de corroboração epistêmica: ou os padrões irregulares das costelas lombares na árvore filogenética surgiram porque eleas tinham funções semelhantes, ou se perderam em outras espécies pelas mesma razão.

Sente-se para não cair perplexo diante da corroboração do fato, Fato, FATO da teoria geral da evolução. Luo et al. acharam que fazendo assim eles estavam ilustrando “dois casos para extrapolar a padronização do Hox gene de ratos cobaias de laboratório à filogenia de mamíferos primitivos numa grande escala evolutiva [SIC ULTRA PLUS]. [3]

Uau! Extrapolar agora é ciência baconiana! Por coisas assim, eu ainda acredito (argh, isso é copmo cometer genocídio epistemológico) que Popper tinha razão: o darwinismo quando tentar explicar a origem e a evolução da vida é um grande programa de metafísica!

Como fazer divulgação científica? Leia este blog sobre os níveis de divulgação científica.

Claudio Angelo, editor de ciência da Folha de São Paulo, fiquei muito lisonjeado por você ter me arranjado mais um apodo: “o paradoxo de Enézio”. Cara, eu estou ficando famoso mesmo. Pôxa, Platão, “o eleático Palamedes”, aquele que Aristóteles disse ter sido o inventor da dialética filosófica, Zenão (c. 470 a.C.), é meu xará!

Delenda Reinaldo José Lopes e o seu “lead” sobre o Yanoconodonte, uma importante, mas controversa e polêmica descoberta científica.

NOTAS:

[1] Zhe-Xi Luo, Peiji Chen, Gang Li, and Meng Chen, “A new eutriconodont mammal and evolutionary development in early mammals,” Nature 446, 291 (15 March 2007) | doi:10.1038/nature05627: Yanoconodon and its eutriconodontan kin are nested within the crown Mammalia (Fig. 2) by the parsimony of all characters. The absence of DMME [definite mammalian middle ear] in eutriconodonts, an in-group of crown Mammalia, is in sharp contrast to modern monotremes [like Platypus] and therians [more derived mammals, including marsupials and placentals] that have DMME. This phylogeny requires one of the following two evolutionary scenarios: either (1) DMME was present in the common ancestor of monotremes, eutriconodonts and therians; but eutriconodonts re-evolved the middle ear attachment to mandible, or (2) DMME was absent in the common ancestor of monotremes, eutriconodonts and therians, and this is retained as a paedomorphosis in eutriconodonts; but DMME evolved in extant monotremes, and separately in therians. Paedomorphosis, or retention of fetal or juvenile characteristics of ancestors and relatives through developmental heterochrony [differences in developmental rates], is a common phenomenon in vertebrate evolution. The heterochronic (‘premature’) ossification of Meckel’s cartilage in eutriconodonts is the immediate cause for this paedomorphic connection of middle ear and mandible, and is why there is an overall homoplastic distribution among therians (with DMME), eutriconodonts (without DMME), monotremes (with DMME) and pre-mammalian relatives (without DMME) (triangles in Fig. 2). The paedomorphic connection of the middle ear to mandible of eutriconodonts and mammaliaforms is consistent with their lack of the long-bone epiphyses for terminating skeletal growth, as seen in modern mammals. [1]

[2] Editor’s summary, “An early look at mammals,” Nature 446:7133. “The formation of the three tiny bones of the middle ear from components of the reptilian lower jaw was a key event in mammalian evolution. Never before has this transition been seen so clearly as in a primitive fossil mammal found recently in a new locality of the Yixian Formation in China, 300 km west of the classic sites in Liaoning. In this specimen the middle-ear bones remain connected to the lower jaw by Meckel’s cartilage – a transition associated with a corresponding remodelling of the lower back. But the situation is not as clear-cut as it seems. The evolutionary relationships of the fossil suggest that either the ‘modern’ middle ear evolved twice, independently or that it evolved and was then lost in at least one ancient lineage.”

[3] 1Zhe-Xi Luo, Peiji Chen, Gang Li, and Meng Chen, “A new eutriconodont mammal and evolutionary development in early mammals,” Nature 446, 292 (15 March 2007) | doi:10.1038/nature05627. “two cases for extrapolating the Hox gene patterning of laboratory mice to early mammal phylogeny on a grand evolutionary scale.”

SOBRE OS OMBROS DE TRÊS GIGANTES DE UNIVERSIDADE E CENTRO DE PESQUISAS.