Corina Mendes (Fiocruz), o macho “alfa” (o mais apto) sobrevive agredindo e matando as fêmeas “amadas”

segunda-feira, março 31, 2008

Violência sem trégua

31/03/2008

Por Thiago Romero

Agência FAPESP – Um grupo de mulheres vítimas da violência nas relações conjugais optou pela gravidez com a expectativa de que os filhos consolidassem a família, garantindo maior segurança na vida conjugal.

Estudo feito na Fiocruz indica que grávidas vítimas de violência conjugal continuam a ser agredidas após o nascimento dos filhos

Mas, segundo a tese de doutorado Vozes do silêncio: estudo etnográfico sobre violência conjugal e fertilidade feminina, defendida no Instituto Fernandes Figueira, unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro, nos casos analisados a “estabilidade” no casamento após o nascimento das crianças não ocorreu e, pior, muitas vezes acabou expondo a mulher a riscos ainda maiores.

A autora do trabalho, Corina Mendes, do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas da Fiocruz, entrevistou, durante um ano, 85 mulheres no Centro Integrado de Atendimento à Mulher (Ciam), serviço do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher que presta atendimento psicossocial e jurídico a vítimas de violência.

A pesquisadora traçou a trajetória dessas mulheres com o objetivo de avaliar as implicações da violência conjugal em suas vidas reprodutivas. “Ainda que elas tenham uma forte percepção de que o amor possa reparar os danos causados pela violência, o trabalho nos mostra que a gravidez não as protege”, disse à Agência FAPESP.

“Para a maioria, a decisão de engravidar foi tomada como uma experiência reparadora do relacionamento violento, mas essa expectativa de proteção não correspondeu, em nenhuma delas, a um novo padrão de relação após a gestação”, explicou.

Em alguns casos houve mudanças temporárias no padrão de comportamento. “Mas, de modo geral, a gravidez não só não alterou as práticas violentas como também fez com que algumas mulheres experimentassem sentimentos de vulnerabilidade ainda mais intensos. O agressor passou a dirigir a agressão a dois focos: à mulher e à própria gravidez”, disse a psicóloga, que também trabalha na Assessoria de Prevenção de Acidentes e Violência da Secretaria de Estado de Saúde e Defesa Civil do Rio de Janeiro.

Corina constatou que a idealização da família de origem dessas mulheres, ou seja, o fato de muitas delas não terem vindo de um ambiente familiar consolidado e terem passado por experiências de desamparo, teve grande influência na decisão de engravidar.

Segundo ela, todas as mulheres do estudo tiveram a decisão voluntária de engravidar. “É importante ressaltar que nenhuma engravidou por conta de violência sexual, apesar de esse tipo de violência também fazer parte da relação conjugal de algumas delas”, apontou.

Lei Maria da Penha

Para Corina Mendes, mesmo que a magnitude desse tipo de agravo ainda seja subestimada no Brasil, diariamente mulheres vítimas de violência doméstica procuram os setores de saúde da rede pública e privada no país.

“Só o Ciam, no Rio de Janeiro, recebe uma média de 600 casos de violência conjugal por mês. E a literatura científica nos mostra que hoje cerca de 20% das mortes maternas podem estar associadas à violência no período de gestação”, disse.

Dentre as formas de violência mais comuns se destacam a agressão física sob a forma de tapas e empurrões, a violência psíquica de xingamentos e as ameaças por meio de objetos quebrados ou atirados, roupas rasgadas e outras formas indiretas de agressão.

Assim como o estudo, que foi realizado com mulheres que romperam os limites do espaço privado para buscar ajuda institucional no Ciam, a psicóloga explica que um instrumento que tem feito com que vítimas de agressão comecem a buscar ajuda fora do ambiente familiar é a Lei Maria da Penha, que entrou em vigor em setembro de 2006.

Trata-se de uma homenagem à biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia, que se tornou símbolo da luta contra a violência doméstica após ter lutado durante 20 anos para ver seu agressor condenado.

“A lei veio como uma ação afirmativa em um cenário no qual qualquer agressão contra a mulher que ia parar no juizado especial criminal era tratada como uma lesão de menor potencial ofensivo. Isso dava abertura a conciliações cujas penas alternativas, na maior parte das vezes, era uma cesta básica que saía da mesa da própria mulher. Com a lei, as mulheres brasileiras estão rompendo o silêncio do espaço privado para buscar intervenções junto ao Estado”, destacou.

A Lei Maria da Penha alterou o Código Penal brasileiro e fez com que triplicasse, de um para três anos, o tempo máximo de prisão para agressões domésticas contra mulheres, além de ter aumentado os mecanismos de proteção, entre eles a saída do agressor de casa, a proteção dos filhos e o direito de a vítima reaver seus bens. A lei também permite que agressores sejam presos em flagrante ou que tenham prisão preventiva decretada.