Marcelo Leite ‘falou e disse’: Vergonha no MEC/SEMTEC/PNLEM

segunda-feira, setembro 29, 2008

Todo contribuinte que sustenta o MEC/SEMTEC/PNLEM deve preocupar-se com o modo como os autores de livros didáticos de Biologia do ensino médio utilizaram duas fraudes e evidências científica distorcidas para favorecer o fato da evolução, e isso nunca foi reconhecido e nem tratado devida e publicamente pelo MEC/SEMTEC/PNLEM.

O MEC/SEMTEC/PNLEM é um ministério, uma secretaria, e uma comissão educacional que traçam diretrizes públicas de pesquisa e ensino fundamental, médio e superior do Brasil.

Eu me formei em jornalismo na Escola de Comunicações e Artes da USP, mas prossegui como aluno de filosofia (estudo que, infelizmente, nunca concluí), e sou jornalista há muitos anos no jornal Folha de São Paulo.

Hoje me pergunto se ainda devo ter orgulho de ser ex-aluno da USP e colunista do maior jornal do Brasil que tem como mote: “Um jornal a serviço do Brasil”. No centro da preocupação com minha “alma mater” (mãe nutridora), como dizem os norte-americanos e os britânicos, a USP, está não somente o caso de plágio no seu Instituto de Física, mas um trazido ao conhecimento da editoria de ciência da FSP há uma década: o uso de duas fraudes (uma centenária e outra mais recente) e a distorções de evidências científicas para favorecer o fato da evolução na abordagem desta teoria da origem e evolução da vida nos melhores livros didáticos do Brasil de autores renomados como Amabis (da USP!!!) e Martho.

O aspecto ético destes dois casos me preocupa. No caso da USP, não tanto pelo caso em si, menor e mesquinho mesmo, por ser localizado numa só pesquisa. É briga de comadres por migalhas de micropoder institucional. Nem vem ao caso quem acusa quem, o agravante moral é que professores titulares admitem copiar trechos de artigos científicos de outros sem a devida referência bibliográfica. O nome disso é “plágio”, a famosa “cola”, recurso que os estudantes “espertinhos” usam para enganar os professores e a si mesmos.

No caso das duas fraudes e das distorções científicas, o caso é mais grave eticamente porque é universalmente localizado e perdura na abordagem da origem e evolução da vida há várias décadas e nos melhores autores de didáticos de Biologia do ensino médio, apesar de renomados cientistas já terem denunciado isso na literatura científica.

A minha consciência fica pesada neste caso porque, na condição de jornalista da FSP, tanto eu como a editoria de ciência tomamos conhecimento disso e nada fizemos, apesar das constantes notificações e cobranças feitas por um simples professor de ensino médio. Na ocasião, a nossa posição era “não damos espaço” a este tipo de crítica, e nunca abordamos e nem denunciamos a questão ética deste caso: o direito à informação científica correta e objetiva dos estudantes do ensino médio e do público leitor da FSP conforme preconiza a LDB 9394/96 e os atuais PCNs.

Não só ex-alunos, mas todo contribuinte que sustenta a USP e qualquer pessoa que cultive valores intelectuais comprando a FSP deve preocupar-se com o modo como o caso foi tratado pela reitoria e pela editoria de ciência da FSP. Se a instância máxima da universidade e do jornal agiram com o propósito de resguardar seu prestígio, bem, nós escolhemos a pior maneira de fazê-lo.

Causam perplexidade dois comunicados sobre o caso divulgados pela reitoria da USP nos dias 22 e 23 deste mês (Reitoria da USP). O primeiro informava que a Comissão de Ética da USP havia concluído — uma semana antes... — “os trabalhos de apreciação do caso de suposto plágio envolvendo professores do Instituto de Física”.

O qualificativo “suposto” indica a disposição clara de proteger os investigados, embora eles próprios tivessem admitido o deslize. O paternalismo corporativo (ou seria “maternalismo”?) vem explicitado a seguir: “Ressalte-se que o relatório da Comissão de Ética não é um documento público, uma vez que seu conteúdo envolve a avaliação de comportamento ético individual. Portanto, a divulgação de atos do processo só pode ser feita com a autorização dos investigados, conforme reza a Constituição Federal, em seu artigo 5º, [inciso] X”.

O caso da USP é kafkiano (ou seria “orwelliano”?). Razão? Se um professor e funcionário público foi investigado por má conduta acadêmica e inocentado, tem todo o interesse em que o relatório venha à luz. Se foi condenado, não tem cabimento dar-lhe o direito de veto sobre a divulgação.

A reitoria se deu conta logo em seguida do atentado cometido contra o princípio da publicidade de Immanuel Kant (1724-1804) em seu “Para a Paz Perpétua” (1795): “Todas as ações relativas ao direito de outros homens, cuja máxima não é suscetível de publicidade, são injustas”.

A reitoria da USP publicou uma errata no dia seguinte, com a satisfação negada ao público 30 horas antes:

“Diante da conclusão dos trabalhos da Comissão de Sindicância e da Comissão de Ética, sobre a investigação de plágio, a Reitoria comunica que, no entendimento da Comissão de Ética, embora os trabalhos científicos, que foram objeto da investigação, contenham pesquisa original, houve um desvio ético na redação dos mesmos por uma inaceitável falta de zelo na preparação dos artigos publicados.

Isso resultou na consignação, pela Comissão, de uma moção de censura ética aos autores, pela não-observância dos preceitos éticos da Universidade”.

Qual “desvio ético”? Que “preceitos éticos” não foram observados? É uma vergonha que a reitoria da USP prossiga em sua recusa a dar uma explicação completa do caso.

No caso das duas fraudes e várias distorções de evidências científicas favorecendo o fato, Fato, FATO da evolução, o fato mais grave é que a Grande Mídia, especialmente a FSP, tomou conhecimento desta situação, e nada fez. Muito mais grave o MEC/SEMTEC/PNLEM, que tomaram conhecimento deste fato em 2003 e 2005 através de análise crítica enviada e protocolada por aquele simples professor do ensino médio, e que nada fizeram. Todavia, entre os diversos autores criticados, Amabis e Martho deixaram de usar as duas fraudes recentemente, mas não explicam aos estudantes a razão por que deixaram de fazê-la: "eram fraudes e nós sabíamos há mais de um século e mais de uma década".

Todo contribuinte que sustenta o MEC/SEMTEC/PNLEM deve preocupar-se com o modo como os autores de livros didáticos de Biologia do ensino médio utilizaram duas fraudes e evidências científica distorcidas para favorecer o fato da evolução, e isso nunca foi reconhecido e nem tratado devida e publicamente pelo MEC/SEMTEC/PNLEM.

Sugiro um protesto maciço de pais e alunos — escrevam cobrando do MEC/SEMTEC/PNLEM providências neste sentido. Façam o mesmo, enviando e-mails para a Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados relembrando que aquela Comissão também tomou conhecimento e, aparentemente, nada fez. Peçam mudança substancial na composição do PNLEM. Do jeito como é composta atualmente, as críticas científicas à teoria geral da evolução de Darwin nunca serão incorporadas. Traduzindo em graúdos: é o mesmo que deixar cabritos tomar conta de horta.

Escrevam também para o ombudsman da Folha de São Paulo pedindo por um jornalismo mais científico e objetivo, e que aborde a crise epistêmica pela qual passa a atual teoria da evolução, e que uma nova teoria da evolução está sendo elaborada que, contrariando a hipótese de Darwin, não será selecionista: ombudsman@uol.com.br

Shimon Peres afirmou certa vez que a ciência e a mentira não podem andar de mãos dadas. Nem tampouco um jornal que se diz “a serviço do Brasil”.

Mea culpa, espero agora redimida por este artigo, e com uma nova postura jornalística na Folha de São Paulo: “Nós vamos dar espaço na FSP para os críticos e oponentes científicos de Darwin”.

MARCELO LEITE é autor de “Promessas do Genoma” (Editora da Unesp, 2007) e de “Brasil, Paisagens Naturais - Espaço, Sociedade e Biodiversidade nos Grandes Biomas Brasileiros" (Editora Ática, 2007).
Blog: Ciência em Dia.
E-mail: cienciaemdia.folha@uol.com.br
Foi ombudsman da FSP de 28/9/94 a 5/1/97.

BLOG APÓCRIFO (MAS COM FATOS DENUNCIADOS REAIS) BASEADO EM ARTIGO ORIGINAL DE MARCELO LEITE “Vergonha na USP”, de 28/09/2009. [via JC E-Mail]