Crodowaldo Pavan, o Contestador, rejeitaria ser 'cultuado'

quinta-feira, abril 16, 2009

JC e-mail 3742, de 15 de Abril de 2009.

4. Crodowaldo Pavan e a biologia celular no Brasil, artigo de Wanderley de Souza

“Com sua carreira exemplar, certamente passa a fazer parte do pequeno grupo de cientistas brasileiros que devem ser cultuados para sempre e servirem de exemplo para os milhares de jovens doutores que o Brasil vem formando na área biológica”

Wanderley de Souza é membro das academias Brasileira de Ciências e Nacional de Medicina, é Diretor de Programas do Inmetro, ex-secretário de Estado de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro e ex-secretário executivo do MCT. Artigo publicado no “Monitor Mercantil”:

A Ciência brasileira é tão jovem que em muitas áreas ainda não temos figuras a quem cultuar. Lamentavelmente, com o passar dos anos, vamos perdendo os primeiros líderes que conseguiram marcar posições como pesquisador criativo, formador de novas gerações e partícipe ativo da política científica brasileira no que ela tem de melhor.

Na última semana estava participando de importante evento científico na área da microscopia, realizado na histórica cidade de Cracóvia, Polônia, quando recebi a notícia do falecimento de Crodowaldo Pavan. Rapidamente, voltei ao início da década de setenta, quando iniciava os primeiros contatos com a atividade científica, na instituição criada e dirigida por Carlos Chagas Filho na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha. Lá, conheci Pavan.

Naquela época apresentava com entusiasmo seus estudos realizados com os cromossomos politênicos presentes na glândula salivar de Rhinchosciara angelae, um díptero que Pavan havia encontrado no litoral paulista, e que era mantido no Instituto de Biofísica na UFRJ por Maury Miranda e seus colaboradores.

Naquele período, o laboratório de Biologia Molecular estava sempre cheio, com visitas frequentes de pesquisadores de São Paulo e do exterior. Pavan vinha ao Rio de Janeiro com relativa frequência, deslocando-se do importante Departamento que dirigia no campus de Austin da Universidade do Texas. Carlos Chagas Filho sempre o apresentava como um dos mais importantes pesquisadores do país.

Realmente, Pavan era um cientista com uma boa formação: discípulo de André Dreyfus e do grande geneticista Theodosius Dobzhansky, formado na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, tinha excelente formação biológica. Mostrou uma carreira acadêmica de sucesso, com professor titular da USP, da Unicamp e da Universidade do Texas. Foi eleito membro da Academia Brasileira de Ciências, da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento e da Pontifícia Academia de Ciências.

Encontrei Pavan em 1980, na solenidade de entrega do Prêmio Moinho Santista, o mais importante daquela época. Ele recebia o prêmio para pesquisador sênior e eu o de jovem pesquisador.

A partir daí ficamos amigos e, sempre que possível, nos encontrávamos para discutir não apenas o que fazíamos em nossos laboratórios, como questões mais gerais da Ciência brasileira. Nesta área ele ocupou importantes posições, tais como a presidência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), em uma fase complicada da Nova República, onde foi criado o Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT).

Voltei a ter um maior contato com Pavan a partir de fevereiro de 2001 quando me convidou para participar de um simpósio realizado no Vaticano, no qual ele foi um dos organizadores, em que a Pontifícia Academia de Ciências homenageava seu ex-presidente, o Professor Carlos Chagas Filho, que havia falecido há um ano.

Mesmo aos quase noventa anos Pavan continuava ativo na qualidade de coordenador de divulgação científica do Núcleo José Reis da Escola de Comunicação e Artes da USP. De longe vi como altamente simbólico seu corpo ter sido velado no Instituto de Biociências da USP, onde por muitos anos exerceu exemplar atuação.

Com sua carreira exemplar, certamente passa a fazer parte do pequeno grupo de cientistas brasileiros que devem ser cultuados para sempre e servirem de exemplo para os milhares de jovens doutores que o Brasil vem formando na área biológica.
(Monitor Mercantil, 14/4)

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NOTA IMPERTINENTE DESTE BLOGGER:

Por mais importante que tenha sido Crodowaldo Pavan, o Contestador, querer agora transformá-lo em 'ídolo' a ser 'cultuado' é mais uma prova de que estão dando a figuras científicas como Darwin, uma aura sagrada que deve ser rejeitada como heresia. Reconhecer a grandeza dessas figuras científicas é uma coisa, transformá-los em 'ídolos', objeto de culto é o fim da picada.

Pavan deve estar se revirando no seu túmulo. RIP, Pavan, se depender de mim, você não seguirá este caminho que deram ao Darwin.

Os ídolos foram feitos para destruição. Nem sei onde foi que eu li isso...