Darwin em evolução

quinta-feira, maio 21, 2009

Darwin em evolução

Mesmo com escassez de informações, Darwin fez história pela revolução que provocou na Biologia. O impacto foi imenso apesar do pesquisador inglês não ter conseguido solucionar inteiramente o enigma do surgimento das espécies. Mas isto é normal quando se fala de Ciência...

Apesar da fama, acredite: Darwin já foi bastante criticado por causa de brechas que permaneceram em sua teoria. A existência dessas lacunas, entretanto, não significa que o pensamento está errado: apenas mostra que a Ciência é uma obra humana, construída de maneira coletiva e dentro das possibilidades e limites de um determinado contexto social.

Segundo o geneticista Francisco Prosdocimi, do Laboratoire de Biologie et Genomique Structurales, de Strasbourg, na França, houve realmente várias brechas nos estudos sobre a evolução, algumas já sanadas e outras que ainda estão em aberto. "Por exemplo, não se sabe ainda como a vida se originou, não se sabe onde e não se sabe com qual organismo isso aconteceu. Além disso, as datações de eventos do passado vão sempre ficando melhores, mas nunca perfeitas", afirma ele.

"É preciso compreender que a ciência de uma época futura será sempre mais desenvolvida do que a de uma era presente, assim como a ciência do presente é mais desenvolvida que a do passado".

Um dos grandes pontos de crítica, ainda de acordo com Prosdocimi, refere-se à incompletude do registro fóssil. "Acontece que não conseguimos encontrar fósseis que representem todos os intermediários para as grandes mudanças anatômicas dos animais, embora novos fósseis que ligam linhagens antigas sejam sempre encontrados aqui e ali, no decorrer dos anos."

Além disso, Darwin acreditava que as informações genéticas eram transmitidas através de homúnculos, ou seja, através de pequenos homenzinhos que entravam nos espermatozóides e nos oócitos (os gametas femininos que ainda não atingiram a maturidade) e eram passados à linhagem de indivíduos. "Isto [a explicação de Darwin] revela a enorme falta de conhecimento na época, mas ressalta a extrema capacidade que ele teve de chegar a algo tão sensacional como foi a sua teoria, tendo tão pouco conhecimento de Genética", enfatiza o professor Reinaldo Alves de Brito, do Departamento de Genética e Evolução da Universidade Federal de São Carlos.

De lá pra cá, muito já se aprendeu sobre Genética, o DNA foi descoberto e pôde-se melhorar o pensamento darwiniano. Mas, por outro lado, ainda existem grandes dificuldades para lidar com alguns aspectos que são essenciais para o entendimento do processo de evolução. "O mais importante deles é o que se refere ao antagonismo entre os estudos de Darwin e os do monge Gregor Mendel em relação às características complexas", afirma Alves de Brito. Considerado o "pai da Genética", Mendel propôs - em 1865, seis anos depois do lançamento de "A Origem das Espécies" - que a existência de características (tais como a cor) das plantas é devida à existência de um par de unidades elementares de hereditariedade, agora conhecidas como genes.

Em outras palavras, os estudos darwinianos baseiam-se na ideia de que as mudanças que ocorrem nos organismos são pequenas e vagarosas, por isso é difícil à mente humana compreender o processo. Mendel, por sua vez, descobriu que existem fatores controladores das características que os seres têm, os quais acarretam grandes mudanças nos fenótipos (caracteres observáveis de um indivíduo). Ou seja, "Mendel descobriu que certos fatores fenotípicos, como a rugosidade de sementes de ervilha, tinham uma característica herdável que podia ser facilmente identificável quando se avaliava o fenótipo dos pais e da prole", explica Prosdocimi

Assim, Darwin acreditava que a evolução acontece através de pequenas mudanças nos organismos - em virtude, sobretudo do mecanismo de seleção natural -; já Mendel propunha que a evolução pode se dar através de grandes mudanças, possíveis pela herança genética. Essa divergência "só aumentou os questionamentos dos críticos do evolucionismo", explica Alves de Brito. Soluções possíveis para esse conflito e o entendimento de que as ideias eram complementares vieram tempos depois, com as primeiras descobertas sobre o funcionamento do código genético.

O conhecimento em construção

Até que ponto podemos considerar como falhas o que Darwin não soube responder, ou respondeu de forma inconsistente?

Para que se evolua nessa discussão é necessário, antes de mais nada, que se entenda um pouco sobre a ciência dentro das Humanidades conhecida como Epistemologia, ou Teoria do Conhecimento. A Epistemologia tenta explicar como produzimos conhecimento e como o interpretamos à luz das evidências e de fatores sociais e históricos. "Quando estudamos Epistemologia, entendemos que todas as teorias científicas possuem brechas e que nenhuma teoria pode pretender explicar absolutamente todos os fatos dentro de seu domínio de estudo", explica Prosdocimi.

Dessa forma, a ciência de uma determinada época consiste no melhor modelo que os humanos encontraram para explicar determinados fenômenos ou grupo de fenômenos, mas não consiste num modelo infalível ou perfeito. Assim, se olharmos para a história da Ciência, podemos verificar que até mesmo a mais fortemente embasada teoria científica de todos os tempos, a física newtoniana, mostrou não ser capaz de explicar todos os fenômenos físicos no Universo. Einstein mostrou que o espaço-tempo relativo podia explicar um número maior de fenômenos do que aqueles previstos por Newton. Apesar disso, não se pode dizer que física newtoniana esteja errada; pelo contrário, ela é aplicada ainda hoje em uma quantidade enorme de domínios, porque consiste numa simplificação útil, clara e precisa das principais leis físicas que parecem governar o universo em que vivemos.

"Além disso, é preciso compreender que a ciência de uma época futura será sempre mais desenvolvida do que a de uma era presente, assim como a ciência do presente é mais desenvolvida que a do passado. A Ciência, por não acreditar em dogmas, está sempre se questionando e se reconstruindo. Na Ciência é uma virtude encontrar erros e corrigi-los, e os mais famosos cientistas fizeram isto e continuarão fazendo, sob o risco de ganharem um Nobel. O fato de a Ciência apresentar brechas é um desafio para os cientistas e deve ser visto como algo positivo, não negativo", conclui o pesquisador do laboratório francês.

Onde já chegamos

Muita coisa mudou na ciência da evolução desde Darwin, embora as descobertas recentes ainda se apoiem nas ideias dele. Em linhas gerais, de lá pra cá, o que houve foi uma expansão do darwinismo para incorporar novas descobertas, particularmente nos últimos 30 anos, com a chamada revolução genômica, que ocorreu depois da descoberta do código genético e da estrutura do DNA.

"A descoberta de dados moleculares trouxe muitos conhecimentos novos e permitiu uma enorme expansão do pensamento", explica o professor Alves de Brito, da UFSCar. "Sobretudo em relação à quantidade de variação que existe na Natureza: constatamos que a variação é assombrosa e podemos dizer, seguramente, que não existem dois seres iguais, mesmo gêmeos", detalha. Essa constatação nos dá a garantia definitiva de que a evolução pode acontecer, porque se há variação, a evolução é possível.

Para o professor José Fernando Fontanari, do Instituto de Física de São Carlos IFSC/USP), e pesquisador de Física Estatística aplicada à área de genética de populações, "o entendimento da natureza discreta da hereditariedade (genes) devido a Mendel e a descoberta da molécula de DNA como a base física da hereditariedade e, como conseqüência, a compreensão de que mutações são alterações nessa molécula forneceram os mecanismos que faltavam à Teoria de Darwin".

Já para Prosdocimi, "o sequenciamento de genomas tem mostrado cada vez mais como todas as espécies em nosso Planeta apresentam um metabolismo e um conteúdo de genes e proteínas bastante similar, reforçando, cada vez mais, a teoria da ancestralidade comum e, portanto, a teoria darwiniana da evolução".

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Fonte.